Cimi: Povo Pataxó retoma área de assentamento do Incra loteada por fazendeiros

Por Renato Santana,

de Brasília (DF)

No local onde os portugueses fincaram os marcos iniciais da colonização, em Prado, sul da Bahia, cerca de 400 Pataxó retomaram, no início desta semana, 30 hectares da Terra Indígena de Comexatiba – Cahy Pequi. A área ocupada, nas proximidades do distrito de Cumuruxatiba, é parte dos 62 lotes situados num assentamento do Incra, instalado dentro dos limites identificados como tradicionais pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

“Ocupamos seis lotes dessa parte do Cahy Pequi. O que acontece é que de uns anos para cá estão forçando os posseiros (clientes da reforma agrária) a vender o que receberam do Incra. Então chegam aqui e compram dois, quatro lotes e montam fazendas. Acontece que a terra é Pataxó”, explica o coordenador dos caciques e lideranças da região do Prado, José Bete Pataxó. Segundo a liderança, a área retomada já tinha sido vendida para terceiros e não estava mais em propriedade de posseiros.

A região, distante 280 quilômetros de Porto Seguro, conta agora com a quinta retomada Pataxó. Nesta última ação, participaram indígenas das aldeias Dois Irmãos, Pequi e Burita, todas da Cahy Pequi. “Desde pequenos nós ouvíamos as histórias dos velhos sobre como roubaram nossas terras. Nunca saímos daqui”, conta José Bete.

O território reivindicado pelos Pataxó de Cahy Pequi abrange ainda áreas do Parque Nacional do Descobrimento, fato que somado ao assentamento trava o processo demarcatório em desencontros não apenas com o Incra, mas também envolvendo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável pelo parque.

“Quando pedimos escolas e posto de saúde, o governo diz que não pode atender porque tem o parque e o relatório de identificação não foi publicado, mesmo já finalizado. Então retomamos nossas terras também para reivindicar educação e saúde, porque a terra é Pataxó”, justifica José Bete.

As escolas existentes foram construídas em taipa pelos próprios indígenas. Porém, as estruturas de barro servem também às consultas médicas e odontológicas de profissionais que se deslocam de Itamaraju, município a 72 quilômetros de Prado, para periodicamente atender a comunidade.

Depois da retomada, integrantes da Funai ainda não apareceram no local. Reflexo de tal ausência é o reclame que os Pataxós fazem por um posto do órgão indigenista em Prado. Todavia, a reivindicação será encaminhada por carta à presidenta interina da Funai, Maria Augusta Assirati.

Prado abriga sete aldeias urbanas, além de outras sete na área rural, organizando uma sociedade de ao menos 6 mil Pataxó.

 

Ameaças e reintegração de posse

Depois que os Pataxó começaram a retomar o território tradicional, uma onda de ameaças passou a deixar as lideranças em alerta. Com a ação desta semana, pistoleiros rondam diuturnamente a área recuperada pelos indígenas. “Temos medo, mas não vamos recuar. Claro que tomamos mais cuidados, o que não significa deixar a luta. O que a gente espera é que o governo faça a demarcação, porque aí sim estaremos protegidos”, defende José Bete.

Outra questão discutida pelos Pataxó é uma reintegração de posse, determinada pela Justiça, na fazenda Santa Luz, situada dentro da Cahy Pequi e retomada pelos indígenas da aldeia Burita. “Mantemos uma escola com 62 estudantes. Se a reintegração ocorrer, o que será deles e da comunidade?”, questiona a liderança firme na ideia de resistir.