O Espírito Santo: protagonista da Missão

O Espírito Santo: protagonista da Missão

fonte: paulosuess.blogspot.com.br

O Espírito Santo é força divina e dom. Ele está no início de todas as caminhadas que geram vida. Crer no Espírito Santo significa crer no Senhor que dá a vida (Credo de Constantinopla I, 381). Ele é aquele “Espírito de Deus” que no princípio do tempo e do mundo “pairava sobre as águas” (Gn 1,2). No PRINCÍPIO eram o Verbo e o Espírito. Ambos são inseparáveis. Um é caminho e o outro é guia, juntos ao Deus Pai, criador do mundo.

A mesma unidade trinitária, que estava na origem da criação, está na origem da recriação do mundo, na encarnação. Maria concebeu seu filho Jesus, Palavra de Deus, redentora do mundo, pela força do Espírito Santo. E esse mesmo Espírito está no início da missão de Jesus de Nazaré. Nele, o filho do carpinteiro de Nazaré foi confirmado “Filho bem-amado” de Deus, por ocasião de seu batismo no Jordão (Lc 3,22). Nele foi ungido Messias e fez o discernimento decisivo de sua vida sobre a finalidade de sua missão: “Ele me ungiu para evangelizar os pobres” (Lc 4,18). No mesmo Espírito, na festa de Pentecostes, a Igreja começa “a falar em outras línguas” (At 2,4) e inicia a sua missão, revestida “da força do Alto” (Lc 24,49).

 

a) Pentecostes

 

 

Na festa de Pentecostes, festa do dom da Lei para os judeus e para os cristãos, festa do dom do novo mandamento, o testemunho da futura Igreja rompe as barreiras lingüísticas e étnicas, e a “Lei de Cristo” (Gl 6,2) começa a ser anunciada a todos os povos. E esse anúncio das maravilhas de Deus na língua dos outros povos acontece pela força do Espírito. Nele, judeus e gentios são chamados a se tornarem povo de Deus, povo da Nova Aliança (cf. At 15,14). Nesse evento pentecostal, a unidade plural no Espírito Santo supera a confusão e dispersão de Babel (Gn 11,1-9) e os discípulos e as discípulas são convocados e enviados como testemunhas da ressurreição de Jesus e servos e servas do Reino de Deus. Pentecostes é a festa pascal que está no início da missão.

 

A fundação da Igreja, por princípio, quer dizer, desde o início, missionária, na festa de Pentecostes, festa da convocação e do envio, estrutura a trajetória universal do anúncio do Evangelho da Graça. Universalidade dos horizontes e concretude dos conflitos, contextualidade, pluralidade das formas nas Igrejas locais e gratuidade dos modos de salvação ligam ação e anúncio missionários de maneira especial ao Espírito Santo. Em Pentecostes, a Igreja é concebida pelo Espírito Santo. Ele “acompanha e dirige” (AG 4) os atos dos apóstolos, dos discípulos e das discípulas sem cessar.

 

Os Atos dos Apóstolos são o livro da missão realizada sob o protagonismo do Espírito Santo. Pentecostes continua na missão dos apóstolos. “Lucas coloca vários Pentecostes sucessivos: em Jerusalém (At 2; 4,25-31), na Samaria (At 8,14-17), aquele que inicia a aventura missionária com Cornélio e o evento de Cesaréia (At 10,44-48; 11,15-17) e até o episódio de Éfeso (At 19,1-6)” (CONGAR, p. 69). O Espírito do alto converte Pedro e a Igreja de Jerusalém da estreiteza étnico-religiosa para o horizonte amplo da humanidade e dos confins do mundo. Sob iniciativa do Espírito acontece o batismo dos primeiros gentios e a primeira missão na diáspora judaica, em Antioquia. A manifestação do Espírito produziu uma profunda conversão na liderança de Pedro e nas atitudes das comunidades judaicas (cf. At 10; 13,2; 15). Foi o Espírito Santo que fez a jovem Igreja se lembrar de que são “os doentes que precisam do médico e não os sãos” (Lc 5,31) e que o “Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10) e não para manter os salvos.

 

b) Espírito da Verdade

 

O Espírito Santo é o “Espírito da Verdade” (Jo 14,17) que fala em muitas línguas, mas “não fala de si mesmo” (Jo 16,13). Este Espírito faz a comunidade de Jerusalém compreender que sua missão não é cuidar de si mesma. A comunidade aprende do Espírito que a sua missão está no despojamento e no descentramento voltado para a unidade com outras comunidades e povos. O Espírito da Verdade sabe articular o plural e as diferenças numa unidade maior, sem hegemonias isoladas, e sabe despojar-se dos e nos sinais de mediação. A diferença étnica e o plural cultural não afetam a verdade. O Espírito da Verdade pode ser experimentado na água do batismo e no fogo da sarça ardente, no óleo da unção messiânica e na luz de uma consciência nova, no imaginário da pomba palpável e da nuvem distante. “Despojamento”, “descentramento” e “apagamento” (cf. CatIC n. 694, 687) permitem transformar uma comunidade de manutenção numa comunidade missionária que procura comunicar-se com os outros, os pobres, os sofredores e os perdidos.

 

 

O Espírito Santo é Espírito da Verdade, não por causa de uma doutrina certa, uma lei perfeita ou uma moral superior, mas porque nele acontece a verdade na geração da vida: na prática do novo mandamento (Jo 13,34) e da justiça maior em favor dos pobres. Na raiz da pobreza está o “pai da mentira”, o diabo, que perturba a ordem social – “aquele que acusava nossos irmãos dia e noite” (Ap 12,10). O Espírito Santo é o Paráclito, o “consolador”, o “intercessor” e o “advogado” dos pobres (cf. DEV 3b).

 

 

Na “Sequência de Pentecostes”, o Espírito Santo é invocado não apenas como aquele que “dobra o que é rígido” (flecte quod est rigidum), mas também como “pai dos pobres” (pater pauperum). Não se trata de um pai abstrato, sem rosto. Com os pobres, que nele se tornam nossos irmãos e irmãs, ele nos introduz nos grandes conflitos da humanidade e ao Reino dos Céus (cf. Mt 5,3; Lc 6,20). Por causa desta proximidade dos pobres, o Espírito é, realmente, Espírito da Verdade, que vem do Pai e dá testemunho de Jesus. Ao conduzir os discípulos aos pobres, ele conduzirá os discípulos no caminho da “verdade plena” (Jo 16,13; cf. 15,26) e no caminho da “vida plena”, no caminho do Reino. A manifestação divina da verdade acontece na pobreza que garante o incógnito. Ao envolver a Igreja, através dos pobres, nas grandes causas da humanidade, a “opção pelos pobres” só faz sentido no próprio empobrecimento, capaz de transformar a missão ad pauperes numa missão inter pauperes, a opção pelos pobres numa opção com e entre eles.

A missão exige mais que abrir mão de bens materiais; exige, sobretudo, abrir mão de tradições, até de tradições salvíficas, mas disfuncionais e, portanto, fardos dispensáveis, diante de um novo contexto histórico e cultural. A ação salvífica de Deus – antigamente denominada “salvação das almas” – ultrapassa todo exclusivismo e esoterismo dos sinais salvíficos de judeus e de cristãos. Isso não desvaloriza esses sinais, mas os redimensiona diante da possibilidade cultural das pessoas concretas e os relativiza diante do poder de Deus. Nessa flexibilidade – não nos conteúdos, mas diante das práticas corporativistas e da padronização de uma roupagem cultural única –, o Espírito Santo permanece Espírito da Verdade e se revela na missão como protagonista do Evangelho da Graça (cf. RM 21b). Ele dinamiza esse Evangelho e se faz presente em todas as formas de doação da vida: no diálogo paciente, na presença silenciosa, no testemunho, na contemplação e na ação, na caridade, na misericórdia e na justiça. Tudo que sustenta a esperança num mundo em desespero é desdobramento da Boa-Nova sustentada pelo Espírito.

 

c) Gratuidade

 

O Espírito Santo, pai dos pobres e protagonista da missão, é dom divino e doador dos dons (dator múnerum).[1] O dom realmente importante é o amor (1Co 13), que gera unidade e gratuidade. As três formas do agir de Deus são, segundo Santo Agostinho, criar (a humanidade e o cosmo), gerar (o Filho de Deus) e doar (Espírito Santo). O Espírito Santo é Deus no gesto do Dom (AGOSTINHO, liv. XV, 29, p. 524).

 

Na gratuidade e na unidade do Espírito Santo, que se concretizam na missão, se manifesta a resistência contra a lógica de custo-benefício, que divide a humanidade, e contra formas burocráticas do agir eclesial. A Igreja, com suas instâncias institucionais, não precisa ter medo do Espírito Santo. O movimento pentecostal e a renovação carismática são, antes de representarem uma ameaça, uma advertência para equilibrar a dinâmica trinitária. O perigo da Igreja não está na sua redução numérica, mas numa mesquinhez crescente. Gratuidade e unidade no Espírito Santo significam continuidade, ruptura e mobilização, alegria e espontaneidade. “É gratuitamente que fostes salvos, por meio da fé. Isto não provém de nossos méritos, mas é puro dom de Deus” (Ef 2,8s).

 

A gratuidade garante a continuidade da história de salvação. Ela está presente nas diferentes etapas de início da vida como dom e graça. Por isso, de modo particular, está ligado aos sacramentos de iniciação que são sacramentos da caminhada, ao batismo, à confirmação e à Eucaristia (cf. CONGAR, p. 140-147). Ao religar e refazer esses inícios, ao completar a criação pela recapitulação, o Espírito Santo mostra a face de Deus através de gestos significativos de continuidade e ruptura, de despojamento e inovação, como princípio dinâmico na história de salvação. A gratuidade, que, simbolicamente, celebramos na “ação de graça”, na Eucaristia, é a condição da não-violência e da paz no mundo. A gratuidade aponta para a possibilidade de um mundo para todos. O Espírito que é dom, graça e gratuidade, o Espírito que dá vida, vive no Verbo encarnado, na Palavra cumprida. Ele, que é a vida do Verbo, vive também conosco na Palavra de Deus cumprida na fidelidade à missão.