liturgia : O Batismo de Jesus
O GATO NO TEMPLO
A cada anoitecer o grande Sábio aparecia para as cerimônias religiosas. Invariavelmente chegava também o gato dele que acabava distraindo os fiéis. Assim o grande Sábio ordenou que, durante as orações vespertinas, o gato fosse amarrado. Muito tempo depois da morte do grande Sábio, os encarregados continuavam a amarrar saldamente o gato durante as funções religiosas. Quando enfim o gato, já bem avançado na idade, morreu, alguns mestres de cerimônia resolveram trazer outro gato para que continuasse a ser amarrado no templo. Os anos passaram, costumes e crenças foram perpetuados na memória do grande Sábio. Séculos depois, os discípulos dele escreveram doutos tratados e ainda discutiam com animação sobre a presença essencial do gato amarrado durante as cerimônias rigorosamente conduzidas na melhor das tradições.
Repetir gestos e palavras que desafiam os tempos faz parte da cultura de cada povo. No entanto, quando se perde o sentido do que se faz, tudo pode acabar em mera formalidade. È o que está acontecendo, às vezes, com os sacramentos da iniciação cristã: o batismo, a primeira eucaristia e a crisma. No domingo do batismo de Jesus no Rio Jordão pelas mãos de João Batista, vale a pena voltar sobre este assunto que gera discussões e desgastes nas nossas paróquias e comunidades.
O momento do batismo de Jesus marca o início de sua vida pública. A voz do Pai e a presença do Espírito confirmam a missão do Filho amado. Jesus aceita entrar na fila dos pecadores e pede o batismo de penitência para ser solidário com os irmãos e irmãs que buscavam uma mudança de vida. A conversão que ele mesmo irá anunciar, porém, exige mais do que um banho de água; exige a vontade de seguir um novo caminho e, sobretudo, pede a acolhida confiante dele mesmo como o único capaz de nos reconduzir ao Pai e assim nos livrar do pecado e da morte.
O batismo, que Jesus ordenou aos apóstolos de anunciar e oferecer aos que iriam aderir à fé cristã, realiza um verdadeiro encontro: Deus mesmo nos faz seus amigos, filhos no Filho. Recuperamos assim a nossa dignidade e o amor do Pai que nunca deveríamos ter perdido. Podemos nos entender como participantes de um grande projeto de amor, de justiça e de fraternidade. Somos chamados a colaborar na construção do Reino, responsáveis pelo seu crescimento, parte viva do novo Povo de Deus, reunido na Igreja. Saímos do “anonimato” para viver a nossa existência humana como uma aventura desafiadora de doação e transformação nossa e da realidade: passar do pecado e da morte para a vida nova de Jesus, da busca dos nossos interesses e sucessos individuais a uma fraternidade universal. Na grande maioria das vezes tudo isso acontece no silêncio e no escondimento das nossas vidas, nos pequenos gestos de serviço e solidariedade, nos sofrimentos oferecidos para o bem de todos. No entanto, nenhum gesto de amor, por insignificante que seja, estará perdido. Tudo, até aquilo que nem lembraremos, será reconhecido como feito ao próprio Jesus, na comunhão infinita do amor de Deus.
Por causa de tudo isso, e muito mais, nós precisamos compreender bem o batismo cristão. Não pode ser uma simples formalidade, um feitiço para dar sorte na vida. Precisamos acreditar naquilo que acontece com o batismo. Mas como acreditar se não o conhecemos ou não o entendemos? Aquela que chamamos “preparação para o batismo” e, hoje também, o “catecumenato” para os jovens e os adultos que pedem o batismo, não são caprichos de bispos e padres. São uma maneira simples de saber o que vamos pedir para as crianças ou para nós mesmos. O batismo é uma “porta” para entrar no caminho da fé, mas se não entendemos o valor daquilo que nos aguarda dificilmente ficaremos alegres e agradecidos. Tudo acabará sendo uma mera formalidade para aliviar a nossa consciência. Nada mais. Mais ou menos como aquele gato amarrado no templo. Continuava lá, mas ninguém sabia mais o verdadeiro motivo da sua presença. Dom Pedro José Conti, bispo