Joel Brás Pataxó é absolvido por Júri Popular; depois de 11 anos em prisão domiciliar, está livre
Joel Brás Pataxó, após 11 anos em prisão domiciliar, está livre. Por 4 x 3, o Júri Popular da Vara Federal de Eunápolis (BA), na noite desta quarta-feira, 16, o absolveu da acusação do homicídio de um pistoleiro ocorrido em 8 de dezembro de 2002. Este foi o sexto e último processo respondido por Joel; em todos os demais ele foi declarado inocente. O Júri começou às 8h30 e só terminou por volta das 19 horas.
“Foram anos difíceis, mas sempre acreditamos na nossa luta. Agradeço a todos os parentes, advogados. Sabemos que é sofrido, sei bem o sofrimento do meu povo. Me faz lembrar dos 500 anos, em 2000, quando fomos maltratados sobre a nossa terra. Muitos povos e lideranças sofreram e sofrem isso que eu sofri. Perdemos a liberdade, perdemos a vida, mas a nossa luta é o que temos de maior”, disse Joel após o Júri.
José Moraes, segurança privado da Fazenda Oriente, área incidente na Terra Indígena Barra Velha, armou uma emboscada para Joel num acampamento Pataxó distante cerca de 7 km de “seu local de trabalho”. Moraes, na verdade, era um conhecido pistoleiro. Ao perceber a arapuca, o indígena agiu em legítima defesa e atirou em Moraes enquanto este sacava a arma de fogo para assassiná-lo. Joel não fugiu e se apresentou às autoridades.
A defesa do indígena apresentou ao Júri três testemunhas: duas pessoas que estavam na BR-498, estrada que liga a BR-101 ao Monte Pascoal, onde os fatos ocorreram, e um Pataxó, que na época era adolescente e estava no acampamento cuidando da crianças quando José Moraes chegou atirando à procura de Joel – momentos depois ele encontraria o indígena e, antes de cumprir com o serviço, a morte.
Apenas uma testemunha foi levada pela acusação, realizada pela Procuradoria Federal. No entanto, o depoimento revelou não um homicídio, mas o quanto Joel era perseguido. “A única testemunha de acusação confirmou a presença de um homem com roupa camuflada, mas não a de Joel. Afirmou ainda que à época disse que era Joel porque o delegado a coagiu”, explicou o advogado do indígena, Luciano Porto.
Um ponto atacado pela acusação era que José Moraes era um funcionário da Fazenda Oriente. Depoimentos de funcionários e do gerente da antiga fazenda lançaram por terra o argumento. “Moraes era um sujeito experimentado em defender propriedades. Vivia armado, era conhecido como matador. Além disso, se dirigiu ao acampamento Pataxó para matar Joel percorrendo uma distância de 7 km”, afirma Porto.
O processo saiu da Justiça Estadual para a Federal 2007, por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Já havia sido reconhecido pela Justiça não se tratar de um processo de homicídio comum. Em novembro de 2009 então começa a correr na Subseção Judiciária da Vara Federal de Eunápolis”, explica o advogado. Enquanto esteve na Justiça Estadual, o Pataxó cumpriu períodos encarcerado.
A defesa de Joel, também realizada pela advogada Michael Mary Nolan, da assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), estava otimista porque além de todas as provas, que demonstravam se tratar de um ato de legítima defesa, Joel tinha cumprido até esta quarta-feira 11 anos de prisão domiciliar, determinada em 2006 pelo STJ, num posto da Funai localizado na aldeia Barra Velha.
“Acompanho esse caso desde o início, desde 2002. Em 2006 levamos Joel pra casa. Há mais de 30 anos defendo indígenas nessas situações. Cacique Marcos Xukuru, Zé de Santa Xukuru, cacique Babau Tupinambá, que estava aqui hoje apoiando Joel. Espero, acima de tudo, que os povos indígenas consigam ter cada vez mais condições de se defender desses abusos”, declara a advogada Michael Mary Nolan.
Emocionados, os Pataxó cantaram e dançaram Toré para receber Joel após o resultado final. Conforme o indígena declarou, “o Brasil não teria dinheiro para pagar a dívida que tem com a gente. E o que exigimos são as nossas terras. Esta é uma memória a todos e todas no presente, aos indígenas do futuro. Nunca deixem de lutar pelos direitos, o tribunal de hoje foi um aprendizado pros nossos povos”, encerrou Joel.
Para Ararawã Pataxó, que discursou após o julgamento, “a absolvição de Joel acontece no mesmo dia em que conseguimos impor uma derrota ao marco temporal (leia mais aqui). Isso mostra como as lutas são as mesmas, aqui ou em qualquer canto do país. Então Joel livre é uma vitória para o movimento indígena, para a busca pelas terras de nossa gente”.
Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi